27.8.08

Em Nome da Terra


(...) Vamos sós. Não terei medo da tua presença com toda a sua força de me fazer ajoelhar. Olharei o teu corpo na sua transparência incorruptível. Sofrerei em mim a descarga do universo e não gritarei o teu nome. Porque estará em mim e eu hei-de sabê-lo. A areia brilhará de uma luz pálida, pisá-la-emos devagar a um impulso fortíssimo e lento. Estaremos nus desde o início, sem vergonha anterior. Nudez primitiva, não a saberemos. Porque será uma nudez para antes de os deuses nascerem. Então mergulharemos nas águas do rio e deitar-nos-emos na areia. E olharemos o céu limpo e sem estrelas. E acharemos perfeitamente natural, porque a iluminação estará em nós. Erguer-nos-emos por fim e eu baixar-me-ei ao rio e trarei água na concha das mãos. E derramá-la-ei imensamente e devagar sobre a tua cabeça. E direi para toda a história futura, na eternidade de nós.
- Eu te baptizo em nome da Terra, dos astros e da perfeição.

E tu dirás está bem.


Vergílio Ferreira

Imagem: Gustav Klimt, The Tree of Life


23.8.08

Salvar uma vida

Hoje salvei uma vida.
Hoje salvei uma mulher que não queria ser salva e os meus fantasmas conheceram os seus abutres.

Da mulher sabia pouco. Ainda sei pouco. Aprendi o seu nome e um punhado de razões que a levaram à decisão de abandonar o mundo.
Quando a encontrei, fechada dentro do seu carro, envolta em caixas de comprimidos vazias, vómitos e um cheiro nauseabundo, julguei-a morta.
Senti, não sei porquê, que a vida já a havia abandonado há muito.
O odor a morte que saía do interior do carro decalcava a sombra das árvores em redor.
Ali não existia cor.
Apressei-me a procurar-lhe vida nas veias. Toquei-lhe o corpo esgotado, inchado, frio.
Ainda estava viva por dentro.
De repente, sem fazer um único movimento, da sua boca começaram a nascer gemidos que, em eco, subiam pelos troncos das árvores, percorriam os ramos, preenchiam as folhas e depois se derramavam sobre a terra escura, ensopando, sôfregos, a montanha inteira.
Agarrei-lhe a mão cinzenta. Apertei com força. Lembro-me de ter pensado que se conseguisse provocar-lhe dor a traria de volta à lucidez e talvez então os seus gemidos se transformassem em palavras e fizessem o céu chorar.
Fiz o que aprendi a fazer nestas alturas. Nestas alturas.
Imperturbável como a alma de uma pedra, permaneceu naquela posição de desleixo e os seus gemidos sibilinos começaram a rasgar coisas cá por dentro.
Desculpe, mas tem que viver. Hoje ainda tem que viver mais um bocadinho. Desculpe.
Foram as únicas palavras que, envergonhado, lhe consegui pronunciar ao ouvido enquanto arredava o cabelo dos olhos semi-cerrados com restos de lágrimas.
A mulher foi levada para o hospital e eu fiquei para trás a juntar os cacos da sua história.
O carro dela, as árvores verdes, as caixas vazias, o silêncio, as palavras escritas de despedida, as fotografias felizes, os documentos da sua identidade, o cheiro a morte… e depois a chuva.

Os abutres seguiram-na.
E naquele lugar de fim-e-príncipio os meus fantasmas, agora sós e salvos, quedaram-se junto a mim. A lamber as feridas.






18.8.08

em-fim.

Olho-te enquanto me olhas.

Fere-me esse brilho que te desce do olhar à boca.

Penso em beijar-te.

Dizes coisas que não escuto porque me detenho no movimento da tua boca.

Apercebes-te que respiro profundamente e reconheces o meu desejo.


Olhas-me enquanto te olho.

Aqueces-te no fogo do meu cio.

Pensas em beijar-me.

Procuras palavras que denunciem o meu lugar de rebentação.

Apercebo-me que respiras profundamente e reconheço o teu desejo.




Culpados e submissos, amamo-nos em-fim.




16.8.08

A ton étoile.



...

A ton étoile

A ________.
A la joie.
A la beauté des rêves.
A la mélancolie.
A l'espoir qui nous tient.
A la santé du feu
Et de la flamme.

A ton étoile.

Noir Désir



13.8.08

Um amor-de-verão.

Quando é que comecei a gostar de ti?...

Contas-me que quando cheguei à tua vida me pegaste ao colo.

Mastigavas as coisas com o olhar…. Eras tão pequenino! … E depois sorris e olhas para o chão à procura de uma memória.

Contas-me que, a cada Verão, me viste crescer. Que me vis-te tornar-me num belo menino, depois num belo e educado rapaz, depois num belo, inteligente e educado homem.

Eu também me lembro de ti.

Lembro-me de todos os nossos abraços de todos os nossos ocasionais encontros e despedidas. Com poucas palavras. Sempre poucas palavras.

Não sei muito bem quando foi que descobri a beleza da tua presença. Na verdade, nunca esperei por ti. Nunca soube qual era a tua profissão, o teu maior medo, ou porque é que gostas tanto de vermelho…

Quando é que comecei a gostar de ti?...

Por entre os Verões de cada ano, vi-te casado. Conheci a tua mulher e depois a tua filha e a paixão que sentias por cada uma delas.

Vi-te ostentar a riqueza que te obrigou a deixar a família e te transformou num bem-sucedido-estranho-a-dois-países.

Segui o rasto de alegria que deixavas por onde quer que passasses e assim descobri a beleza do teu corpo de homem.

...

Uma noite de Verão.

Os nossos corpos encontram-se hoje. Frente a frente. Inevitáveis e iguais.

Apertas-me com os teus braços e sinto o teu coração a querer abandonar-te o peito.

A tua boca toca-me o pescoço e de repente perdemos a direcção das mãos.

Choras e não te pergunto porquê porque adivinho que seja pelo Tempo, por ti e por mim.

Beijamo-nos sofregamente. Perdemos a noção de espaço e, desajeitados, apressamo-nos a recuperar tudo, a descobrir tudo, a provar tudo, a dar tudo…

Despedimo-nos de nós e da noite.

Enquanto me abraças dizes que os meus olhos estão cor-de-castanhas-ao-luar e eu, ainda a arrumar o prazer, sorrio-te como se me segurasses ao colo outra vez.


José Laura Saavedra

2.8.08

EN JOY

Adam
... I wish I'd only look And didn't have to touch. I wish I'd only smell this And didn't have to taste. How can I ignore? ... I'm only into this to _Enjoy_enjoyenjoyenjoy...

© Bjork