25.9.08

Habeas corpus



Hoje quero o teu corpo, mais nada.

Preciso que a tua língua lavre a minha pele.

Hoje preciso que me ames para além das palavras.

(As palavras não têm o teu cheiro. Não escorrem suor.

E só às vezes aquecem por dentro.)

Vem. Caminha como se eu fosse uma duna.

Hoje eu sou o amor inteiro em chamas.

O centro do desassossego do fundo do mar.

Despedaça-me. Para que quero eu um só coração?

Não preciso de um par de mãos vazias

Nem de dois pés que não me defendem da vertigem do voo.

Hoje quero o teu corpo. Contra o meu corpo. Força bruta.

Preciso dessa constrição como desculpa para o movimento de crescer. Hoje.






Frederico M.


20.9.08

Era Uma Vez Um Homem Que Se Enforcou Numa Estrela.








...

A luz salta às golfadas.

A terra é alta.

Tu és o nó de sangue que me sufoca.

...

E como estrelas duplas

consanguíneas, luzimos de um para o outro

nas trevas.



Herberto Helder






12.9.08

à espera de ser aberto por uma palavra


Não sei
se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha ebriedade é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.



António Ramos Rosa


7.9.08

Hetero-Pontos


I. O poder da língua


Ha uns dias eu e a Ana, podres de bêbados, en faisant la fête, andávamos por aqui e por ali a meter as nossas línguas nas bocas da malta quando o Rui apareceu e, de mansinho, pôs-se a jeito.

O Rui é um amigo nosso que gosta muito de meninas e de as amar com todos os músculos do seu corpo – este é o zénite da sua masculinidade.

Moral da historia: o Rui gostou das nossas línguas. E depois de o confessar, quis mais festa. Mas eu e a Ana, não.

Os dias passaram e no fim-de-semana seguinte, quando a Ana estava no seu País-das-Maravilhas, o Rui regressou, cheio de curiosidade e com os músculos no seu lugar, á procura da minha língua e outras extensões.

P’ra variar, disse-me.



Marco X.




II. Se eu fosse


- Se fosses uma gaja dava-te uma queca...

Respostas:

A) Se eu fosse uma gaja tu não entrarias na minha cadeia alimentar.

B) E se tu fosses um homem a sério nunca me dirias uma merda dessas.

C) Só uma?...



Dado





III. A beleza interior


Passava o tempo todo a dizer que o que importava era o que estava por dentro. Que a verdadeira beleza estava para além da forma do corpo. Por dentro. Que facilmente se apaixonaria por alguém amputado, de outra cor, obeso, cego, anão...

Porque o verdadeiro amor não tem limitações. Porque quando se ama, ama-se e pronto.

Um dia quando um homem lhe confessou o seu amor, descobriu que afinal a beleza interior começa e acaba no meio das pernas.



Frederico M.